bater certo



Gostava de dominar a ornitologia, saber o nome dos pássaros, reconhecê-los pelas cores, pelas formas, pelo falar.

Gostava, além disso, de ter aquela calma de chá, de fazer a minha cama fresca e limpa todas as manhãs. De ter os cadernos organizados, a loiça sempre lavada, perceber muito de matemática e ser fluente noutras línguas.

Gostava também de ter visitado Maputo, Teerão e Cardiff e de ter sabido escolher coisas bonitas dessas cidades para ter em casa.

Gostava que aquilo que pensasse, que escrevesse, se coadunasse com o meu aspecto, as minhas roupas e com o meu modo de vida. Olhavam para mim, os outros, e percebiam-me. Pensavam: "esta rapariga é assim e assim", e eu era isso mesmo.

Gostava de conseguir fazer o que quero, por exemplo o pino, e não ter que me sujeitar a coisas que não sendo graves, acabam por me aborrecer na sua constante presença: medo físico de cair, obrigatoriedade de usar óculos e outras coisas igualmente exasperantes.

Gostava ainda de acordar cedo todas as manhãs e fazer coisas que me dão sempre prazer, passear, desenhar, escrever... Gostava de não passar tanto tempo na internet, muitas das vezes num marasmo cibernético.

Gostava de tomar sempre banho de água fria, sei que me faria bem, e é tão bom quando o faço. Gostava de deixar as pessoas em paz e não as chatear com problemas que só existem por causa das minhas inseguranças.

Gostava tanto dessa paz e boa vida interior e exterior que imagino.

Mas não sou capaz de a alcançar.
Desconfio até que nunca serei.
Tenho porém a esperança que a menopausa me venha a ajudar um dia.

No entretanto vivo assim, com um pouco de inveja das raparigas que são aquilo que parecem. É que, mesmo que não sejam grande coisa (que isso realmente nunca são) têm o admirável dom de bater certo...

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